segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A ida à galáxia de Tom Zé

Na abertura do show,  músicos usavam uma espécie de figurino que remetia a seres intergaláxicos. Embora o disco tenha
sido gravado por diversas bandas e cantores, Tom Zé subiu ao palco com a sua banda: Daniel Maia (guitarra e voz),
Jarbaz Mariz (percussão, cavaquinho, viola 12 cordas e voz), Cristina Carneiro (teclado e voz) e Rogério Bastos (bateria)

É, parece um pouco tarde para escrever sobre um show que assisti no último dia do mês passado, mas, sou daquelas que acreditam no “antes tarde do que nunca” e, pensando bem, há certas coisas que não contêm prazo de validade, assim como o que fica em nós depois da arte.  Mas, deixemos de rodeios e vamos para a Via Láctea de nosso querido Vira Lata Tom Zé, a qual me bastou um ônibus e algumas estações de metrô para chegar até lá, no Sesc da Vila Mariana.

Tom Zé todo pimpão no flyer de divulgação dos shows
Consegui comprar os ingressos para o primeiro dos três dias de shows que Tom Zé faria para lançar seu mais recente disco “Vira Lata na Via Láctea”. De cara, se me perguntam como foi, digo que diferente de todos os shows de outros artistas que já assisti, e advirto: não vá a um show do Tom Zé esperando a apresentação de um grande cantor. Isso evita frustrações e, ao mesmo tempo, faz aumentar  seu raio de visão/audição da capacidade que a genialidade deste artista pode alcançar, a começar por suas letras inteligentes, sagazes, divertidas e contemporâneas:

Geração Y: “Oi, oi / Me clone/ Aí no seu smartphone/ Me bote online, não me largue/ Ipad, Ipad, Ipod, aí pode”; Mamon: “O antigo bezerro de ouro, de ouro/ É novamente adorado, dourado/ O homem só vende consumo, consumo/ Usado fica descartado/ Surrado, surrupiado”; Salve a Humanidade: “mas o que salva a humanidade / é que não há quem cure a curiosidade / a curiosidade inventou a humanidade / o buraco da fechadura”, respectivamente a 1ª, 7 ª e 8 ª música do álbum, que contém 14 faixas e tem a direção artística de Marcus Preto.

"Este CD se apresenta como Capelas Irradiantes,
construídas em torno de uma edificação central,
cada uma abrigando uma parte do culto"
Mas, além de letras incríveis, inclusive com palavrões, Tom Zé é daqueles artistas ousados feitos a moléstia, adora uma desconstrução. E, embora neste disco a desconstrução seja inversa, já que traz arranjos belíssimos e quase que padronizados, a novidade é que vem recheado de participações, desde as mais tradicionais e ilustres como Caetano Veloso, em “A Pequena Suburbana” e Milton Nascimento, em “Pour Elis”, até recentes gerações da nova cena, como Criolo, Tim Bernardes (O Terno), Trupe Chá de Boldo, Filarmônica de Pasárgada, Kiko Dinucci, Tatá Aeroplano e Silva.

Mais sobre o show? Não teve a participação dessa galera toda que participou no álbum, mas as histórias que Tom contou de algumas letras como "Irara Irá Lá", "Banca de Jornal" e  "Mamon", por exemplo, são pérolas somente do show. Sem contar que ele sente-se tão à vontade no palco como em sua própria casa, como se estivesse conversando com qualquer um de seus amigos ou dando uma entrevista, suponho. Porque ele interrompia as próprias músicas para contar as histórias tão delas quanto dele.

Algo, além disso? Já imaginou ter 78 anos e produzir como um garotão de 20 e poucos?! Impossível não ser fã desse cara. Que bom poder conhecer um pouquinho de sua galáxia!

Dê o play!




Até a próxima,
Elís Lucas


sábado, 1 de novembro de 2014

Um concerto pra desconcertar - Vitor Araújo

Vitor diante de seu gigante
Eram os meus últimos segundos diante do Facebook antes de sair de casa quando, de repente, saltou-me aos olhos um post do pianista Vitor Araújo, dizendo que na noite daquele mesmo dia (17|10), faria um show com entrada franca em São Paulo, na Biblioteca Mário de Andrade. É claro que eu não poderia perder. Afinal, Vitor toca música erudita como se fosse um grande astro do rock, já dizia o jornalista Eduardo Lemos.

No palco, apenas uma luz baixa, o teatro escuro. O público aguardava ansiosamente pelo pernambucano que, depois de cerca de dez minutos, subia ao palco pela lateral esquerda, pisando tão firme a ponto de ser ouvido por todos. E firmeza não era o que lhe cabia apenas nos pés. Suas mãos, que hora deslizavam tão suavemente sobre as teclas, também as açoitavam bravamente, com fúria, domínio e uma habilidade de nos abrir a boca. Encurvava-se em frente ao piano como se o reverenciasse.

Lá estava ele, camisa branca e calça jeans. De pouca idade, 24 anos, se não me engano, o que apresentava, quem nunca assistiu a um concerto ou nunca viu um show seu, não faz ideia do que perdeu até agora na vida. E afirmo isso sem pestanejar. A porta que ele nos abre com seu som, nos leva para outra dimensão. Impossível sair de seu concerto do mesmo jeito que entramos, nos desconcertamos.

Vitor e o quarteto de cordas
Diferentemente da primeira vez que o assisti, em 2010, no Teatro Padre Bento (em Guarulhos), neste show, Vitor se comunicou com o público através de um telão, estilo cinema mudo, saca? A única vez em que se ouviu sua voz foi nos vocais que fez durante algumas músicas. Vocais esses que nos descolam do chão, nos deixam meio atordoados, golpeados pela beleza das notas e seus timbres. Lembro-me de ter lido em uma de suas entrevistas, que ele se inspira em Thom Yorke, seu maior ídolo, para fazê-los. Mas, a novidade não foi só essa. Mais quatro músicos fizeram parte da mágica noite. Eu não me recordo de terem sido apresentados ao público, mas eram três violinistas e uma violoncentista. Foi impossível não fechar os olhos. A sensação era de estar levitando.

Entre o repertório, músicas do novo álbum “A/B”, além de uma composição de Heitor Villa Lobos e Paranoid Android, de Radiohead, uma das bandas favoritas do garoto prodígio. Com o velho rádio em mãos, o qual já usou em outras apresentações, ele suja a música (que gravava na pedaleira enquanto a tocava) com estações mal sintonizadas e mais uma vez nos desconcerta. Que loucura é essa? Nos perguntamos. Isso é Vitor Araújo, que na última música abandona o palco enquanto as últimas notas, gravadas na pedaleira, ressoam... Como se a própria música o absorvesse.

PS.: Foi bom poder abraçá-lo e agradecê-lo por dividir sua arte.

 *Vale ler aqui, o release do artista escrito pelo cantor e poeta Tibério Azul.
 
Até a próxima,
Elís Lucas